terça-feira, 30 de junho de 2009

A Supervisora – Parte 1


Cinquenta desesperados passaram na primeira etapa de seleção do Call Center. Tínhamos que aprender – agora no treinamento de 1 mês – a vender o provedor Berra. Ainda não estávamos empregados, mas era aquela sensação que os camaradas que ganham uma competição na tevê sentem. Um pé no emprego e outro, no limbo. A notícia de que teríamos que desembolsar a despesa com transporte ao longo de 1 mês (5 dias por semana) frustrou-nos, mas não nos abateu. Porque já éramos vencedores!oh, god! Havíamos derrotados outros 50 candidatos a 50 vagas nos dois turnos da biboca. Éramos os escolhidos, os apontados pelo dedo em riste de Deus, aleluia, Senhor, aleluia. Então foda-se que teríamos que gastar antes de receber, fodam-se os obstáculos, o sistema ou a falta de vergonha na cara desse tipo de empresa pé-de-chinelo porque NÓS ÉRAMOS OS VENCEDORES. NÓS TÍNHAMOS O DOM. NÓS FARÍAMOS AS COISAS ACONTECEREM. NÓS VENDERÍAMOS PROVEDORES DE INTERNET ATÉ PRO DEMÔNIO (menos para menores de idade, provavelmente o departamento de cobrança teria problemas para cobrar, eta ferro!).

Voltei para casa meio empregada, meio ainda fodida. Após o treinamento haveria uma prova e, caso passássemos, aí sim estaríamos realmente empregados. Uma espécie de vestibular de merda.

A turma se uniu rapidinho e até esquecemos que éramos inimigos mortais. Teve gente que, mesmo torrando a grana na porra do treinamento, ia a barzinhos do centro nas noites de sexta. Era uma curtição. E a gente nem sabia muito bem onde tava se metendo.

Quase no fim do treinamento, o cara do RH foi falar com o pessoal. Era a tarde do RH e suas informaçõeszinhas...Bem, ele usou o quadro negro e o giz. Era o “cara”, dava pra perceber que o quarentão tava no ápice de sua carreira diante de nós. Palestrou sobre tudo e quando chegou no valor do salário... epa!...a coisa já não era mais a combinada na seleção.

- Ah, é por que antes vocês iam trabalhar de segunda a sábado. Agora é até sexta.

A “empresa” mudou de ideia. A “empresa” é libriana. Eles mudam de ideia e o teu salário também muda.

Não sei o que os outros vencedores pensaram, não dava pra ler no rosto deles, era tudo tão...tão absurdo que dava vontade de rir sentindo dor. O investimento na bosta do treinamento já tinha ido todo. Eu havia ignorado outras ofertas de emprego (uma pior que a outra, era verdade). Pressentimentos vertendo de todos os poros. E agora ganharia menos do que pensava e antes já pensava que era uma merda de dinheiro mas fazer o quê se nos classificados só tinha armadilha e sacanagem?

Nunca me imaginei executiva de empresa. Acho tailleur roupa de mulher assexuada. Mas dentro daquele shopping Center organizacional, arquitetura moderna, paredes envidraçadas, elevador panorâmico, máquina de lanche, máquina de café, máquina de refrigerante, máquinas humanas, aquilo tudo, junto, misturado, mexeu com minha cabeça ao ponto de eu me sentir a próxima vice-presidente da “empresa”.

Assim, o que eram R$ 100,00 a menos do que o combinado? Ou a exclusão do cartão de refeição para a máquina do lanche? Ou o banco de horas em vez do pagamento de hora extra? Ou o sigilo sobre a cláusula no contrato a respeito da perda dos direitos trabalhistas caso o camarada saísse durante o período de experiência? Ou que a supervisora sempre, todas as noites, pediria quase mandando que ficássemos após o expediente?

Passei na prova e pluguei-me ao mundo dos idiotas. Logo no primeiro dia, a supervisora teve uma crise, um chilique, ficou histérica (infelizmente nada a ver com a histeria da psicanálise), a supervisora ex-maconheira... Existe ex-maconheiro?

Continua.